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Confira abaixo a entrevista completa da Matéria Central da Modular em Revista
O imaginário humano frente aos avanços tecnológicos sempre foi muito criativo, do cinema à realidade, as novas tecnologias influenciam e moldam as relações sociais e de trabalho. Com o Metaverso não está sendo diferente. Apesar do termo ter sido criado há 30 anos, ele nunca esteve tão em alta e presente no nosso dia a dia. Para falar sobre o tema, convidamos Thiago Toshio, criativo tecnológico, produtor de conteúdo imersivo VR, AR e Metaverso. Formado em Ciências Sociais, Audiovisual e Marketing, atuou por 6 anos no uso de inovação e tecnologia para aprimorar a experiência no campo da educação na Kroton e Cogna Educação. Trabalha atualmente na interseção de tecnologia e narrativa, arte e educação, combinando audiovisual e desenvolvimento de experiência imersiva XR. É também co-fundador da produtora de conteúdo imersivo AR/VR GoVision, do Projeto BoomReal.Art, e colaborador do Site Update or Die.
O termo metaverso surgiu em 1992, no livro de ficção Snow Crash, de Neal Stephenson, que conta a história de um entregador de pizza que nas horas vagas entrava em um jogo de realidade virtual e se tornava um guerreiro. Foi a primeira vez que o termo foi utilizado.
Passou-se um longo período, surgiram plataformas com experiências semelhantes, como o Second Life, The Sims e os óculos de realidade virtual, mas o metaverso nunca foi tão popular quanto a gente vê hoje, depois da mudança do nome Facebook para Meta.
A literatura contemporânea dispõe de um livro que é a bíblia do metaverso, o The Metaverse, do pesquisador Mathew Ball, que o define como uma rede massivamente dimensionada, interoperável de mundos virtuais 3D, renderizados em tempo real, experimentado de forma síncrona e persistente, com senso individual de presença e continuidade de dados, como identidade, histórico, direitos, objetos e por fim a comunicação de pagamentos.
Simplificando os termos, a rede massivamente dimensionada permite acesso quase infinito, independente de quantas pessoas quiserem se conectar. Ser interoperável é a possibilidade de passar de um espaço 3D, um metaverso, para o metaverso de uma outra empresa, levando todas as características, como avatar, NFTs e ativos.
O mundo virtual 3D, renderizado em tempo real, é o que vemos nos jogos, com toda aquela experiência espacial, visão tridimensional e todos vendo a mesma coisa, ao mesmo tempo.
A persistência é a possibilidade de que tudo o que é feito ali permaneça até que alguma outra pessoa interaja. Por exemplo: se eu entrar neste mundo e colocar a minha obra em uma parede, ela permanecerá acessível mesmo que eu não esteja presente.
O senso individual de presença é ter identidade, com continuidade dentro de todos esses espaços. Históricos, objetos, ativos e até direitos, ainda que estejamos engatinhando nesse último. Por fim, a comunicação de pagamentos será provavelmente a criptomoeda, que tem se demonstrado a melhor direção até então.
Essa definição que vem sendo adotada é ampla, com vários aspectos, indo muito além do que víamos em tecnologias que já exploravam essas imersões, a realidade virtual e aumentada, que hoje chamamos de realidade estendida (XR). Essa é a definição do modelo clássico do metaverso.
O metaverso, na prática, tem definições diferentes para pessoas diferentes. Alguns associam o metaverso a plataformas de games, como Roblox e Fortnite, outras vinculam-no ao uso dos óculos de realidade virtual, outras pessoas o relacionam com personalidades e marcas criando avatares. Todos estão entrando no Metaverso.
Eu respeito esses momentos, como eu disse, o metaverso são coisas diferentes para pessoas diferentes e elas estão em momentos distintos dentro deste contexto.
Hoje todos interagem muito com os meios virtuais, no trabalho ou no lazer. A maior parte do dia, se não o dia todo, se passa conectado, e esse conceito já é colocado como experiências de metaverso. Precisamos respeitar o ponto de vista e a necessidade de cada um do uso do metaverso.
Todas essas formas colocadas aqui são associadas ao seu uso, são formas que levam para um só entendimento de metaverso, que seria um metaverso único. Avatares 3D, espaços privados como escritórios, salas para empresas e metaversos que são mundos maiores, onde vende-se terrenos e tudo mais. Tudo isso é um convite para o metaverso.
Para ter um entendimento mais amplo e técnico, devemos dividir os Metaversos em duas categorias. Um como plataforma tradicional “Web2”, que são os games e experiências imersivas, mas que não tem todas as características de um conceito final de Metaverso amplo. O segundo, que é mais próximo do conceito estabelecido, é quando o Metaverso está dentro da “Web3”, uma plataforma como a internet, mas em cima de uma tecnologia que se chama Blockchain.
A Blockchain é como um livro razão, em que tudo que se faz dentro dessa “internet”, fica registrado e imutável. Ou seja, a posse de um NFT ou um terreno é garantida por essa tecnologia, de forma segura e transparente. Por isso, muitos negócios estão sendo feitos a partir dessa tecnologia.
Se a “Web2” foi uma ótima
ferramenta para conectar pessoas, como as redes sociais, mesmo com todos os problemas
de segurança de dados, a “Web3”, além de conectar pessoas com pessoas, conecta
pessoas com ativos, como qualquer bem, arquivo ou item virtual, e garante a sua
autenticidade.
Os benefícios são enormes, principalmente em um cenário de pós-pandemia, em que o home-office se tornou presente e o e-commerce superou a desconfiança. Até as gerações X ou baby-boomers, que nasceram na era analógica, já estão experientes no mundo virtual. Imaginem agora quem nasceu nesse mundo e não tem nenhum atrito em relação a essas experiências.
Os trabalhos também já existem nesses mundos. Quando uma pessoa sai de manhã e pega o carro para suas corridas de Uber, ela recebe um valor no final do dia. No metaverso, existem pessoas que entram nos Metaversos e se tornam hosts desses espaços, recebem as pessoas e orientam-nas para as experiências, ganhando por hora como um Uber. Isso vem acontecendo no Decentraland, um mundo com cassinos, marcas, franquias, galerias de arte e eventos. E isso é só um exemplo de profissional 100% virtual.
Todas as áreas criativas têm muito a se beneficiar do Metaverso.
Na educação, treinamentos e experiências em que o ambiente é relevante, já temos o metaverso sendo bem significativo, isso ainda muito no 2D, na tela como se fosse um jogo. Agora, com o óculos, nos isolamos e somos teletransportados para uma imersão, onde não se vê o mundo real, onde você tem uma experiência visual em outro mundo e o seu cérebro entende que você está ali, então todo o aprendizado é uma experiência visceral.
Na área da saúde, podemos tratar fobias, questões psicológicas e até físicas. Já foi comprovado por pesquisas na área da saúde, que dores agudas de pacientes com queimaduras podem ser amenizadas, se os colocarmos virtualmente em ambientes frios, como a neve.
O aprendizado em realidade virtual é mais eficiente que a experiência física, pois você isola a pessoa, colocando-a em situações práticas, ou situações de risco que poderiam ser amenizadas, enfim, muitos casos que podemos aproveitar. Fora a experiência de marketing que o turismo vem utilizando muito.
Considero também a construção de mundos sintéticos, impactando no presencial. Imagine recriar um espelhamento do mundo real, como o próprio Google Street View, no qual podemos explorar de uma forma mais imersiva e trazer ativos desse mundo com a realidade aumentada.
Há também riscos envolvidos, apesar de não haver pesquisas sobre.
Na saúde existe uma preocupação com a formação ótica de crianças. Utilizar o óculos de 5 a 10 minutos não é risco, mas passando disso pode se tornar um perigo para uma formação fisiológica.
A segurança cibernética também é importante. A internet hoje já é uma boa referência. Vemos que estamos em um campo onde os dados são manipulados, então existe a preocupação que, em Metaversos, também estaremos gerando muitas informações sensíveis, de movimentação, de espaço, biometria, espaço da sua casa e esses dados podem estar sendo repassados para uma bigtech (Meta, Google, Apple, Microsoft), como já aconteceu com a Meta.
Por outro lado, existem projetos open source, gerenciados pela comunidade, as DAOs, organizações autônomas descentralizadas, que estão sendo desenvolvidas com blockchain e contratos inteligentes dentro da “Web3”, que regem as políticas dessas organizações. Ou seja, tudo está escrito ali e não é mais definido por um CEO ou um conselho, mas pela comunidade, que são pessoas detentoras de um token ou que apenas participam ativamente.
Fora todo o contexto de especulação do mercado, nunca foi diferente e não vai ser agora. O fato de as pessoas estarem lá comprando terrenos, adquirindo ativos, comprando para revender mais caro e perdendo dinheiro, isso acontece em qualquer categoria.
Eu acredito que sim, vai ser real, mas não conseguimos nem imaginar todo potencial do Metaverso. Ainda há um longo caminho a ser percorrido. Porém, já temos boas experiências para aproveitar e fazer bom uso disso, trazendo valor.
Desde experiências como ferramentas de produtividade ou até mesmo o próprio entretenimento, tem uma série de experiências, em um caminho a se aculturar. E é aquela questão: as novas gerações não precisam ser convencidas disso, elas já estão cientes que essa é a nova praça, quadra, shopping. É onde eles se encontram e socializam.
Nunca estivemos tão perto da Matrix, como estamos com o Horizon Worlds, é uma experiência social muito robusta e bonita.
Entre as bigtechs, a Meta está voando na frente. O Instagram está sendo conectado a uma experiência de “Web3” para vender NFTs e ativos digitais. Ela também é líder disparada na venda de óculos, como o Quest 2, que dispensa um computador, tem um conteúdo bem curado e um custo bem otimizado.
A meta também conta uma vantagem competitiva, se ela criar ferramentas que facilitem a criação e utilização de avatares em todas as ferramentas do grupo e metaversos, ela poderá se aproveitar da sua enorme base de usuários, um ecossistema de quase uma década. Contra ela, o pé atrás dos usuários em relação ao uso dos dados, da manipulação, com impactos catastróficos até na vida política.
É meio distópico mesmo.
Outras tecnologias também precisam evoluir para chegar no potencial apresentado na ficção, ou pela Meta. Isso envolve questões, como o processamento, por exemplo, que hoje está no óculos e precisaria estar na nuvem, permitindo mais espaço para a bateria. Além de novas tecnologias de descentralização de processamento, que também estão sendo apresentadas e avançando muito.
As tecnologias precisam avançar e estão avançando. O próprio Metaverso é um termo genérico e abrangente para uma série de tecnologias. E sim, vamos superar essas barreiras, afinal de contas nós viemos escrevendo nas paredes rupestres desde outros modelos midiáticos. Viemos dos livros, passamos para a pintura, do frame da tela, chegamos ao PC e o mobile, que resultou no processamento em nuvem e isso não é o fim.
De tempos em tempos nós vemos mudanças bruscas que impactam na vida de todos, e o Metaverso é um forte concorrente para esse tipo de mudança disruptiva. As barreiras a curto prazo são enormes mas, ainda assim, as pessoas estão procurando caminhos, o momentum de cada um estar no Metaverso.
Será inclusiva? A curto prazo não.
Temos níveis de imersão, os óculos não chegarão tão rápido, principalmente no Brasil, com questões sociais e econômicas que não permitem. A experiência de avatares no mundo 2D, como os games, vai se popularizar antes dos óculos e será a porta de entrada para muitos metaversos. Será gradual e mais inclusivo, permitindo que as pessoas utilizem algum nível do Metaverso.
E claro, muita educação, a princípio nesse momento é a curiosidade que está atraindo as pessoas mais entusiastas, mas conforme as necessidades e benefícios surgirem, outros vão se adequando, assim como todas as tecnologias. Tomemos o exemplo do PIX, hoje todo mundo usa, porém tempos atrás nem todo mundo tinha uma conta virtual ou confiava no sistema.
É um caminho natural de curto a
médio prazo, nós começarmos a entender melhor o que é o Metaverso, para depois
começarmos a aproveitar os reais benefícios.
Pensando no mundo dos negócios corporativos, têm grandes impactos. Muitas marcas da alta costura, moda e tênis, como Nike e Adidas, estão investindo no Metaverso. E teremos muitos movimentos assim. O risco para essas indústrias é maior se perderem a onda do que se tiverem que correr atrás, então já estão se posicionando agora.
No Brasil temos exemplos da Havaianas no Fortnite, iFood no servidor Cidade Alta (GTA) e Gucci no Roblox, encontrando seus caminhos. No mundo corporativo mais sóbrio, as ferramentas de Metaverso são muito valiosas para a produtividade. Desde o Design Thinking, encontros, trocas, espaço para se criar LABs, até dar voz às pessoas, não só da empresa, mas aos clientes em um canal omnichannel.
Poderia ser uma plataforma social, mas a experiência do Metaverso traz também outras possibilidades, como a identidade, criação de eventos, as discussões contínuas e o espaço aberto. As corporações estão se posicionando e levando essa cultura para dentro de plataformas mais simplificadas, para as pessoas sentirem isso na prática.
O Metaverso já teve impacto no mercado e nos negócios. É interessante ver quanto uma simples mudança de nome, de uma única BigTech, impacta tanto. Estamos tendo essa conversa por conta de uma mudança do nome Facebook para Meta. Criou-se um movimento global, deixando todo mundo curioso, fazendo todo mundo se mexer no sentido de uma inovação.
Nós também vemos na prática que usamos sistemas murados, e hoje a Microsoft é uma das mais, se não a mais popular, das corporações, com o sistema Windows e o chat Teams, que ajudou muito as pessoas durante a pandemia, tanto em conteúdo, reuniões, como em negociações e etc.
A Microsoft também está com um pé lá e tem feito compras milionárias na indústria de Games, como Activision Blizzard por 68,7 bilhões de dólares. Naturalmente daqui a pouco teremos experiências de Metaverso associadas ao nosso login dentro do sistema Windows, sem a necessidade de criar um avatar. As próprias reuniões serão em Metaverso, e isso já está acontecendo.
Outro impacto que acho importante comentar, é a existência de responsáveis por criar produtos dentro das corporações. Existe uma demanda latente a qual está sendo conduzida para fora, ao mesmo tempo que irão internalizar muitas demandas. Teremos funções como Chief Metaverse Officer, que são as pessoas responsáveis por cuidar desse departamento.
Ele será um diretor específico
para questões de Metaverso, uma pessoa com experiência nesta indústria de
tecnologia, com profundo conhecimento de cultura gamer, do ecossistema da Web3,
alguém criativo dentro de uma visão de mercado, com uma compreensão das
ferramentas a serem utilizadas em novos projetos, ferramentas que hoje são
tradicionalmente utilizadas para jogos, tendo também experiência em Crypto,
computação em nuvem e Blockchain. Esses profissionais deverão ter um perfil
curioso e saber já o que está acontecendo.
Como vimos, boa parte delas não estão preparadas e o caminho para isso é a educação, um entendimento e a possibilidade de ações para se criar uma cultura interna. Assim, quem tem o perfil, conforme os projetos vão surgindo, se encontrarão em projetos intraempreendedores dentro da própria empresa.
É uma questão complexa e abrangente, mas existem pessoas
interessadas, seja pelo caminho dos jogos, das artes e NTFs, ou pelos
Metaversos “Web3”. Conforme esses projetos surgem, elas se unem para uma visão
mais abrangente.
Eu mesmo fui uma dessas pessoas dentro da educação, levei projetos com realidade virtual ainda na época da caixinha de papelão, construí a minha câmera e fiz meus primeiros conteúdos, para depois ser criada uma célula de realidade virtual. E é isso que está acontecendo agora com a questão do Metaverso em muitas empresas.
Na questão da logística, acredito que ela vai fazer uso do Metaverso para a leitura de dados, acompanhamento e quando falamos do próprio profissional na ponta.
Nós vamos ter informação com o uso dos óculos de realidade virtual, com as mesmas informações que vemos no mundo físico, que poderá ser acompanhado no universo virtual, além da questão de rastreamentos, que vão ser utilizados com tecnologia de blockchains.
Tem muita coisa que pode ser aplicada, e os impactos são iguais aos outros setores, vai ser profundo. E a melhor forma de se preparar é realmente ter internamente pessoas olhando para isso, para fazer testes, experimentações e encontrar os erros que vão acontecer. É dessa experimentação que sai a inovação.
Para quem nunca usou, acho que a experiência de Metaverso WEB é bem convidativa. Indico o hubs.mozilla.com, uma plataforma open source que leva a uma experiência tridimensional de forma prática. No Hubs, você pode entrar, criar e compartilhar mundos, e acessar alguns projetos grandes da plataforma. Outro exemplo gratuito é o spatial.io.
São plataformas que disponibilizam ambientes em um Metaverso híbrido, que você pode logar com uma conta “Web2”, mas que se tiver uma carteira de criptomoedas, como a Metamask, você pode acessar e comprar roupas para avatar, NFTs e ter uma experiência mais profunda.
Dando um passo a mais, você tem a Decentraland. Ela é 100% “Web3”, já envolvendo a questão da compra de terreno. Para entrar no ambiente você não precisa ter dinheiro investido na carteira, mas precisa ter uma carteira cripto.
Criar uma carteira já é uma boa experiência, a dica que dou é: guarde a sua senha em um papel no mundo físico. Caso alguém se aproprie você corre o risco de perder todos os seus ativos. Dentro desse novo universo você não tem para quem reclamar, você é responsável pelos seus movimentos.
O recado final que deixo é: isso é novo para todo mundo, não existe especialista neste tema, existem apenas pessoas curiosas dispostas a aprender e a trocar.
O certo é que algumas mudanças de tempo em tempo acontecem, e sempre surge alguma mudança significativa, principalmente baseada em novas tecnologias. O que muda também todo o contexto comportamental, que vimos anteriormente com o surgimento da internet, dos smartphones e das redes sociais.
A tela do celular não é o fim, nós só estamos seguindo para uma evolução natural dos meios.
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